Elias Silva de Freitas, natural da cidade de Santos, litoral de
São Paulo. Filho de pai capoeirista, teve seus primeiros passos na
capoeira ainda muito novo, na idade de 5 para 6 anos através
de seu pai, que foi seu primeiro Mestre. As aulas com seu pai, aconteciam em
casa, de forma bem rústica e objetiva. Passado algum tempo, aos
finais de semana seu pai passou a leva-lo junto com ele à Vicente
de Carvalho no Guarujá, à casa de um senhor já com uma certa idade
chamado Anastácio, capoeirista baiano e discípulo direto de Mestre
Pastinha. Este ensinava aos dois alguns movimentos e macetes de Capoeira
Angola.Àquela época, não havia
distinção entre Angola ou Regional, a capoeira era vista por um
único prisma, visão esta que acabou por se tornar a característica
maior da capoeiragem local. Os ensinamentos junto à Mestre Anastácio
se estenderam por três anos aproximadamente até o mesmo, decidir
retornar à sua terra natal, o que veio a ser interrompido no meio do
caminho por conta de seu falecimento. Durante um certo período, Elias passou por alguns grupos locais até sua primeira viagem à
Salvador, onde pode se encontrar novamente com a Capoeira Mãe em sua
plenitude, desta vez no Forte Santo Antônio, na Academia de João
Pequeno de Pastinha-CECA. Lá, teve a honra e o privilégio de
conhecer, estar, conversar e treinar com Mestre João pela primeira
vez. Daquele momento em diante, continuou firme, na resistência.
Passado um determinado período e tendo que retornar à sua minha cidade natal,
Mestre João Pequeno lhe indicou alguns mestres que poderiam continuar lhe instruindo na arte, mestres estes pelos quais ele nos conta que passou e adquiriu muito conhecimento. E assim, se inicia a trajetória desse grande divulgador e defensor da capoeira angola em terras caiçaras.
Confiram como foi o nosso bate papo:
NP-Quando se deu o seu
primeiro contato com a capoeira?
Em
meados de 86, através de meu pai e Mestre Anastácio de Pastinha.
NP- Como você vê o
crescimento da capoeira angola nos tempos atuais e na baixada
santista?
Hoje,
a Capoeira Angola está em seu devido lugar de direito e respeito
graças aos esforços de alguns Mestres entre estes, Mestre Moraes
que foi um ferrenho militante pelo ressurgimento e revitalização
da Capoeira Angola nas décadas de 80 e 90. Antes disso a Capoeira
Angola estava prestes à se extinguir por conta da influência da
Regional e do abandono e descaso aos Mestres mais antigos. Hoje, a
Capoeira Angola está no mundo, na mídia, virou moda. De certa
forma isso é bom porém, tem o lado ruim também. Toda a
massificação desenfreada, traz junto consigo perda de qualidade e
pior ainda, os aproveitadores da arte, os impostores. Ser angoleiro
é uma coisa, o querer ser e vender um peixe que nunca foi seu por
direito, é outra totalmente diferente. Infelizmente isso tem se
tornado uma constante, tanto na na baixada santista como em outros
lugares do Brasil e do mundo. Façamos uma breve analogia: Pode um
professor de Karatê, de repente ensinar Kung-Fu e vice e versa sem
antes, ter aprendido os ditames e propostas do outro estilo em
questão?. É mais ou menos o que acontece com a Capoeira Angola
hoje em dia. Ser angoleiro, é tornar-se antes de qualquer outra
coisa, aluno/discípulo de um verdadeiro Mestre de Capoeira Angola
reconhecido, aprendê-la, assimilá-la e por fim vivenciá-la. O ser
angoleiro, depende destes estágios, quando se pula qualquer um
deles, é enganação à quem ensina e à quem é ensinado.
NP- Você acredita que
a capoeira pode ser usada como instrumento de transformação social?
Sim
e temos alguns ótimos exemplos disso por aí afora. Cultura, quando
ensinada de forma coerente, séria e responsável, torna-se um
potencial instrumento de transformação social e principalmente de
vidas e a Capoeira Angola, em sua forma mais ampla tem grande força
de contribuição para isso.
NP- Conte para nós uma
vivência de capoeira que você ache importante ter passado?
Ter conhecido Mestre João Pequeno de Pastinha, em toda sua humildade e simplicidade. Ele foi um exemplo de valores e bondade, como Mestre de Capoeira Angola que foi e sempre será e acima de tudo, como ser humano.
NP- Ao seu ponto de
vista você acredita que alguns capoeiristas estão deixando as
tradições de lado?
Sim.
Infelizmente, muitos capoeiristas hoje em dia buscam o novo sem
antes, aprender o antigo. É na tradição que se encontra a base e,
sem base nada se constrói. Muito se fala em evolução mas o que eu
vejo é exatamente o contrário, a involução. A Capoeira é livre
sim mas, dentro dessa liberdade há a tradição que deve continuar
intocada e, cada vez mais e sempre estudada para que assim, o novo
possa estar em conformidade com o antigo, não descaracterizando
assim, todo um contexto histórico e cultural na qual está involto a
Capoeira como um todo.
NP- Muito se discuti
sobre a verdadeira origem da capoeira,fato que entra em divergência
na obra de vários autores. Como você enxerga o fato de a capoeira
não ter uma história unica definida?
A
falta de documentos históricos e, a informalidade na qual a
Capoeira se desenvolveu contribuiu para o surgimento de várias
teorias e estudos históricos e etnográficos e, com elas as
divergências. Não temos como precisar o local exato e a forma
precisa como a Capoeira se desenvolveu mas temos sim, várias pistas
e algumas certezas encontradas em pesquisas feitas por pessoas
sérias e principalmente na oralidade, passadas dos mais antigos
para nós. Uma coisa é certa, a Capoeira é uma manifestação
afrobrasileira, trazida pelos escravos na diáspora africana porém,
desenvolvida aqui em solo brasileiro.
NP- Fale um pouco do
trabalho do seu grupo e quais os objetivos pretendem realizar esse
ano?
A
Academia de João Pequeno de Pastinha-Centro Esportivo de Capoeira
Angola, sob a direção de Mestre Deraldo Ferreira, discípulo de
Mestre João Pequeno de Pastinha, vem desenvolvendo um trabalho
voltado às comunidades carentes nas periferias de Santos e São
Vicente tendo eu, como responsável pelo trabalho na região. Nossa
meta consiste em manter viva a memória e o trabalho de Mestre João
Pequeno de Pastinha, através de Mestre Deraldo Ferreira na
conscientização, ensino e preservação da verdadeira Capoeira
Angola como um todo. Nos dias 21,22 e 23 do mês de março, estamos
organizando a 1º Vivência de Capoeira Angola da Academia de João
Pequeno de pastinha-CECA Santos/São Vicente com os Mestres Deraldo
Ferreira e Louvadeus, discípulos de Mestre João Pequeno de
Pastinha tendo como convidados especiais, vários mestres da
Capoeira Angola, onde estarão ocorrendo bate papos com os mestres
presentes, oficinas, rodas e muito mais. Em outubro, estaremos
organizando o 1º Encontro Internacional Academia de João Pequeno
de Pastinha-CECA Santos/São Vicente sob a direção de Mestre
Deraldo Ferreira, com a presença de renomados Mestres da Capoeira
Angola da Bahia e do mundo. Espero poder contar com a presença da
massa capoeirista em nossos eventos. Todos serão muito bem vindos.
NP-
O que a capoeira significa para você?
Como
dizia Mestre Pastinha: "A Capoeira, é tudo o que a boca
come..."
NP-O que significa ser
mestre?
Ser
mestre é, antes de mais nada é ser continuador da cultura popular
brasileira, do legado de todo um povo, educador, um verdadeiro pai
no sentido mais abrangente da palavra. Ser mestre é, antes de tudo
ser mestre de si mesmo, de suas ações e atitudes, do que fala e
pensa. Ser mestre, é ser sincero com a arte e para com aqueles que
instrui.
Papo rápido:
NP- Um idolo?
Mestre
Vicente Ferreira Pastinha.
Np- Um mestre?
Não
somente um mas dois, rs. Mestre João Pequeno de Pastinha e meu
Mestre Deraldo Ferreira.
Np- O que te entristece
na capoeira?
Os
aproveitadores da Capoeira.
Np- Uma cantiga?
Peleja
entre Riachão e o Diabo.
NP-Deixe
uma mensagem para os novos e velhos adeptos da capoeira e
leitores do blog.
A
Capoeira Angola está aí para quem quiser aprendê-la, mas para que
isso aconteça, o novo adepto deve estar desprovido de qualquer
vaidade e egocentrismo. Aprendam com um verdadeiro Mestre, assimile
e a viva. Não se deixem enganar, mas sim, deixem-se levar pelo
maravilhoso mundo que é o da Capoeira Mãe, com afinco e
sinceridade. Esse é meu recado para quem está chegando agora em
busca de conhecimento. Capoeira Angola é vida...Capoeira Angola é
ouro.
Contramestre Elias e Mestre Deraldo
Fala Mansa Contramestre Elias e Mestre Gringo
Fotos pertencentes ao acervo do entrevistado exceto os desenhos dos manuscritos de mestre Pastinha.
Foto1: Ao pé do Berimbau
Foto2:Mestre João Pequeno e Contramestre Elias
Foto3:Contramestre Elias e Manso Valente no Passo a dois
Foto4:Na bateria tocando com mestre Gringo
Foto5;Contramestre Elias e mestre Deraldo
Foto6: Fala Mansa, Contramestre Elias e mestre Gringo
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