quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

"Contramestre Elias, um defensor da capoeira Angola no Litoral Paulista"

 Elias Silva de Freitas, natural da cidade de Santos, litoral de São Paulo. Filho de pai capoeirista, teve seus primeiros passos na capoeira ainda muito novo, na idade de 5 para 6 anos através de seu pai, que foi seu primeiro Mestre. As aulas com seu  pai, aconteciam em casa, de forma bem rústica e objetiva. Passado algum tempo, aos finais de semana seu pai passou a  leva-lo  junto com ele à Vicente de Carvalho no Guarujá, à casa de um senhor já com uma certa idade chamado Anastácio, capoeirista baiano e discípulo direto de Mestre Pastinha. Este  ensinava aos dois alguns movimentos e macetes de Capoeira Angola.Àquela época, não havia distinção entre Angola ou Regional, a capoeira era vista por um único prisma, visão esta que acabou por se tornar a característica maior da capoeiragem local. Os ensinamentos junto à Mestre Anastácio se estenderam por três anos aproximadamente até o mesmo, decidir retornar à sua terra natal, o que veio a ser interrompido no meio do caminho por conta de seu falecimento. Durante um certo período, Elias passou por alguns grupos locais até sua  primeira viagem à Salvador, onde pode se encontrar novamente com a Capoeira Mãe em sua plenitude, desta vez no Forte Santo Antônio, na Academia de João Pequeno de Pastinha-CECA. Lá, teve a honra e o privilégio de conhecer, estar, conversar e treinar com Mestre João pela primeira vez. Daquele momento em diante, continuou firme, na resistência. Passado um determinado período e tendo que retornar à sua minha cidade natal, Mestre João Pequeno lhe indicou alguns mestres que poderiam continuar lhe instruindo na arte, mestres estes pelos quais ele nos conta que passou  e adquiriu muito conhecimento. E assim, se inicia a trajetória desse grande divulgador e defensor da capoeira angola em terras caiçaras.
Confiram como foi o nosso bate papo:

NP-Quando se deu o seu primeiro contato com a capoeira?
Em meados de 86, através de meu pai e Mestre Anastácio de Pastinha.

NP- Como você vê o crescimento da capoeira angola nos tempos atuais e na baixada santista?
Hoje, a Capoeira Angola está em seu devido lugar de direito e respeito graças aos esforços de alguns Mestres entre estes, Mestre Moraes que foi um ferrenho militante pelo ressurgimento e revitalização da Capoeira Angola nas décadas de 80 e 90. Antes disso a Capoeira Angola estava prestes à se extinguir por conta da influência da Regional e do abandono e descaso aos Mestres mais antigos. Hoje, a Capoeira Angola está no mundo, na mídia, virou moda. De certa forma isso é bom porém, tem o lado ruim também. Toda a massificação desenfreada, traz junto consigo perda de qualidade e pior ainda, os aproveitadores da arte, os impostores. Ser angoleiro é uma coisa, o querer ser e vender um peixe que nunca foi seu por direito, é outra totalmente diferente. Infelizmente isso tem se tornado uma constante, tanto na na baixada santista como em outros lugares do Brasil e do mundo. Façamos uma breve analogia: Pode um professor de Karatê, de repente ensinar Kung-Fu e vice e versa sem antes, ter aprendido os ditames e propostas do outro estilo em questão?. É mais ou menos o que acontece com a Capoeira Angola hoje em dia. Ser angoleiro, é tornar-se antes de qualquer outra coisa, aluno/discípulo de um verdadeiro Mestre de Capoeira Angola reconhecido, aprendê-la, assimilá-la e por fim vivenciá-la. O ser angoleiro, depende destes estágios, quando se pula qualquer um deles, é enganação à quem ensina e à quem é ensinado.

NP- Você acredita que a capoeira pode ser usada como instrumento de transformação social?
Sim e temos alguns ótimos exemplos disso por aí afora. Cultura, quando ensinada de forma coerente, séria e responsável, torna-se um potencial instrumento de transformação social e principalmente de vidas e a Capoeira Angola, em sua forma mais ampla tem grande força de contribuição para isso.

NP- Conte para nós uma vivência de capoeira que você ache importante ter passado?

Ter conhecido Mestre João Pequeno de Pastinha, em toda sua humildade e simplicidade. Ele foi um exemplo de valores e bondade, como Mestre de Capoeira Angola que foi e sempre será e acima de tudo, como ser humano.
NP- Ao seu ponto de vista você acredita que alguns capoeiristas estão deixando as tradições de lado?
Sim. Infelizmente, muitos capoeiristas hoje em dia buscam o novo sem antes, aprender o antigo. É na tradição que se encontra a base e, sem base nada se constrói. Muito se fala em evolução mas o que eu vejo é exatamente o contrário, a involução. A Capoeira é livre sim mas, dentro dessa liberdade há a tradição que deve continuar intocada e, cada vez mais e sempre estudada para que assim, o novo possa estar em conformidade com o antigo, não descaracterizando assim, todo um contexto histórico e cultural na qual está involto a Capoeira como um todo.

NP- Muito se discuti sobre a verdadeira origem da capoeira,fato que entra em divergência na obra de vários autores. Como você enxerga o fato de a capoeira não ter uma história unica definida?
A falta de documentos históricos e, a informalidade na qual a Capoeira se desenvolveu contribuiu para o surgimento de várias teorias e estudos históricos e etnográficos e, com elas as divergências. Não temos como precisar o local exato e a forma precisa como a Capoeira se desenvolveu mas temos sim, várias pistas e algumas certezas encontradas em pesquisas feitas por pessoas sérias e principalmente na oralidade, passadas dos mais antigos para nós. Uma coisa é certa, a Capoeira é uma manifestação afrobrasileira, trazida pelos escravos na diáspora africana porém, desenvolvida aqui em solo brasileiro.

NP- Fale um pouco do trabalho do seu grupo e quais os objetivos pretendem realizar esse ano?
A Academia de João Pequeno de Pastinha-Centro Esportivo de Capoeira Angola, sob a direção de Mestre Deraldo Ferreira, discípulo de Mestre João Pequeno de Pastinha, vem desenvolvendo um trabalho voltado às comunidades carentes nas periferias de Santos e São Vicente tendo eu, como responsável pelo trabalho na região. Nossa meta consiste em manter viva a memória e o trabalho de Mestre João Pequeno de Pastinha, através de Mestre Deraldo Ferreira na conscientização, ensino e preservação da verdadeira Capoeira Angola como um todo. Nos dias 21,22 e 23 do mês de março, estamos organizando a 1º Vivência de Capoeira Angola da Academia de João Pequeno de pastinha-CECA Santos/São Vicente com os Mestres Deraldo Ferreira e Louvadeus, discípulos de Mestre João Pequeno de Pastinha tendo como convidados especiais, vários mestres da Capoeira Angola, onde estarão ocorrendo bate papos com os mestres presentes, oficinas, rodas e muito mais. Em outubro, estaremos organizando o 1º Encontro Internacional Academia de João Pequeno de Pastinha-CECA Santos/São Vicente sob a direção de Mestre Deraldo Ferreira, com a presença de renomados Mestres da Capoeira Angola da Bahia e do mundo. Espero poder contar com a presença da massa capoeirista em nossos eventos. Todos serão muito bem vindos.

NP- O que a capoeira significa para você?
Como dizia Mestre Pastinha: "A Capoeira, é tudo o que a boca come..."

NP-O que significa ser mestre?
Ser mestre é, antes de mais nada é ser continuador da cultura popular brasileira, do legado de todo um povo, educador, um verdadeiro pai no sentido mais abrangente da palavra. Ser mestre é, antes de tudo ser mestre de si mesmo, de suas ações e atitudes, do que fala e pensa. Ser mestre, é ser sincero com a arte e para com aqueles que instrui.
Papo rápido:
NP- Um idolo?
Mestre Vicente Ferreira Pastinha.

Np- Um mestre?
Não somente um mas dois, rs. Mestre João Pequeno de Pastinha e meu Mestre Deraldo Ferreira.

Np- O que te entristece na capoeira?
Os aproveitadores da Capoeira.

Np- Uma cantiga?
Peleja entre Riachão e o Diabo.

NP-Deixe uma mensagem para os novos e velhos adeptos da capoeira e leitores do blog.
A Capoeira Angola está aí para quem quiser aprendê-la, mas para que isso aconteça, o novo adepto deve estar desprovido de qualquer vaidade e egocentrismo. Aprendam com um verdadeiro Mestre, assimile e a viva. Não se deixem enganar, mas sim, deixem-se levar pelo maravilhoso mundo que é o da Capoeira Mãe, com afinco e sinceridade. Esse é meu recado para quem está chegando agora em busca de conhecimento. Capoeira Angola é vida...Capoeira Angola é ouro. 
 Contramestre Elias e  Mestre Deraldo


Fala Mansa Contramestre Elias e Mestre Gringo

Fotos pertencentes ao acervo do entrevistado exceto os desenhos dos manuscritos de mestre Pastinha.
Foto1: Ao pé do Berimbau
Foto2:Mestre João Pequeno e Contramestre Elias
Foto3:Contramestre Elias e Manso Valente no Passo a dois
Foto4:Na bateria tocando com mestre Gringo
Foto5;Contramestre Elias e  mestre Deraldo
Foto6: Fala Mansa, Contramestre Elias e mestre Gringo

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